quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Pedaços.

    Lembro-me de uma noite.
    Lembro-me. Como poderia alguem esquecer?
    Entras numa carruagem, seguindo o mesmo destino que todas as pessoas que preênchem os lugares que poderias ambicionar tu prórpio preencher seguem. Assim não há confusões, sais onde a torrente de pessoas te obrigar a sair.
    Mas ainda a noite se acostuma as paisagens, ainda sentes a euforia do nascer das horas que te esperam. E segues de pé.
    Agarra aqui. Segura alí.
    Sem problemas.
    A carruagem pára, ninguém sai. E muitas novas caras se juntam a ti, de pé. E a carruagem enche. Enche ao ponto em que o máximo de movimento é o que é imposto pelas curvas e contra curvas que o caminho impõe.
    Já não agarras aqui. Nem seguras alí.
    A carruagem pára mais uma vez, segues os que se levantam e os que te arrastam porta fora, com o brilho do seu destino gravado nos olhos.
    Caminhas. Segues as pegadas dos experiêntes.
    Eles sabem para onde vais. E guiam-te.

    Segues. Caminhas e já sentes o cheiro do que te espera. Longe ainda. Já sentes alastrar pelo chão as vibrações dos saltos e passadas fortes dos que já atingiram o teu destino.
    Na aproximação, enquanto procuras um papel que te dá acesso ao destino, ponderas as tuas expectativas.                            Sabes bem que mesmo aqueles que lá esperam por ti, vais ter dificuldade em encontrar. Basta tomarem a decisão de te procurarem para que, procurando-os tu tambem, nunca os encontres.
    Estás numa fila, onde todos estão. Fim da linha.
    Ao fundo, alguém te revista. Não sabes bem o que procuravam, porque não encontraram o que tinhas escondido debaixo do cinto. Secalhar não era isso que procuravam. Secalhar não precisavas ter escondido.
    Sem problemas.
    Na fase seguinte na linha de avalição que te garante entrada no teu destino, rasgam-te o papelinho. O mesmo papel que te fez esperar horas numa fila para o comprar.
    Depois desta secção a liberdade de explorar é toda tua. Tudo o que do outro lado parecia restrito, isolado por grades altas e muros, agora é teu.
    Entre os buraquinhos da rede vez agora os fragmentos do teu passado. Zombies que se dirijem todos ao mesmo cerebro vivo e gelatinoso.
    Vagueias então, com os objectivos intactos. O chão já se agarra aos teus sapatos. Sinal de que já muitos se divertiram demasiado. E a pouco e pouco os rostos conhecidos lá se vão revelando. Um a um aparecem de todos os lado. Dos lados para onde já olhas-te e que tinhas a certeza que lá não estavam.
    Mas de alguma forma, estes já não são os rostos que mais desejavas. Há algo que te escapou.
    Algo te falta.
    Voltas a vaguear. Empurrão daqui. Cumprimento dalí. Mas agora procuras esse algo diferente. Algo especial. O teu destino está por alí. Algures ele te espera, sem saber.
    Até que, enfim, um sorriso. Um olá. Uma voz conhecida, mas esta, esta é diferente. Esta, pouco a ouviste mas sempre a quiseste perto do coração. E ela emerge, da paisagem cinzenta e desconhecida.
    Um choque de realização atinge-te mesmo no peito. E, fugaz, o teu momento mais esperado da noite passa por ti. E vai-se com um simples Olá.


    Vais-te hidratando com conteúdos de copinhos festivos e coloridos até que a luz, agora, não emana apenas dos néons e dos pontos artificiais. Já o sol ameaça uma apaiçao, e começa a preparar-se para tomar o seu espaço no céu. E tu não esqueces aquele sorriso.
    Segues, de volta, a manada. E agora, apenas levas o papelinho rasgado e o coração em sobressalto. De volta à antiga carruagem.
    Mas desta vez, sentas-te e descansas. Descansas as pernas, porque o sonho te acompanha toda a viagem.
    Sais numa das paragens. Agora o destino é outro. Um bastante teu conhecido.
    Sais de uma carruagem e sabes que outra ainda te espera, pois agora o caminho é mais longo.
    Àquela hora, sozinho, o tempo passa devagar e aborrece. Mas, ao longe, um sorriso. O sorriso espera por ti do outro lado da rua e reflecte-se assim em ti.
    Timido, sentas-te e esperas. Esperas algo. De repente já não esperas a velha carruagem. Esperas uma palavra, que não tarda e se apresenta.
    Há conversas inúteis. Que te passam indiferentes, e que nunca mais vais lembrar que um dias as tiveste.   Mas esta não.
    E não é pelo seu conteúdo, esse pouco te afligiu na altura. Nesse momento a palavra deixou de ter significado. Era agora algo diferente.
    Sem ela, não sabes bem o que teria sido de ti.
    Enquanto observas o exterior da carruagem, sem levantar porém os olhos do sorriso que te fazia sorrir, apercebes-te de que o momento, novamente, está condenado. E que como o outro que o precedeu vai ter um fim. Um fim que já espreita. E depois?
    Que vais fazer depois?
    O destino é imparcial e os caminhos são dificeis.
    Mas há sempre um sorriso. Um sorriso que te guia.
    E assim, já não te interessa para onde todos vão. O teu horizonte será sempre teu, e nele esse sorriso sempre te vais esperar.